(continuação da semana passada)
Carla, amiga de Amesterdão, e eu na minha cozinha, confusas sobre o seu choque cultural
Isto diz respeito aos seus inquilinos. Ela, tal como nós, alugapara um longo período de tempo desde Covid, e também mais aos portugueses do que aos estrangeiros. Tal como em qualquer outro lugar, há poucas casas aqui – ou muitas pessoas mudando – depende apenas da forma como se aborda a questão.


Ela não conhecia estas pessoas, mas o homem estava muito irredutível em querer alugar a casa, apesar dos seus protestos de que ainda não estava pronta, ainda não estava limpa e que ainda tinham de ser feitas algumas reparações. “Não se importa”, disse ele a tudo, “esta casa é para nós! Vamos limpá-la nós próprios, não se importa. Tenho um problema na perna; não consigo trabalhar, mas limpar sim.”
Bem, o que faz então?
Parecia uma situação vantajosa para todos, pelo que o contrato foi assinado e os acordos foram feitos. E então começaram as histórias. O primeiro aluguer mais a garantia chegará um pouco tarde, porque a patroa sofreu um acidente, estava em coma, perdeu uma perna e, por isso, não podia pagar aos funcionários. Talvez não antes do final do mês.
A mulher tem um emprego num centro de saúde. A Carla para de rir à gargalhada. “Lá estava eu, com um marido coxo, com um cachorro que não queria e uma esposa com histórias”, diz com um suspiro, “talvez é melhor de não ter empatia.” Com alguma conversa, insistência, troca de mensagens e algum atraso, a renda mais a gara tia foi paga.
“A patroa tinha recuperada, por isso dizia-se: foi um começo infeliz, mas agora está tudo bem. Massss…
“Bem …” digo algo hesitante, porque ainda espero agora algo mais, “uuma pessoa faz alguma coisa pelos outros, certo?” “Certo, mas no dia seguinte recebi outra chamada, a perguntar se podia levar tabaco. E alguns dias depois, ele ligou-me perguntando se podia leva-lo ao café, porque tinha de falar com o patrão.” Ela faz uma careta.

“Tenho mais que fazer do que isso, mas tudo bem, acho eu: ele vai comprar o seu próprio tabaco lá, porque o que é que ele teria para discutir com o Carlos? Então fomos lá, o cachorro teve de vir junto, eu assisto a uma bela representação teatral do quão má é esta perna, que ele mal consegue andar, só a gemer, estou à espera em frente do café… demora cinco minutos, dez… depois saio, entro e vejo que o Carlos está a escrever num bloco de notas. Tive de ir junto para pagar a conta, enquanto a renda ainda não tinha sido pago, e aqueles óculos e o tabaco também não tinham sido pagos.”
Agora ela começa a rir, e eu também, aliviado. Esperamos que esta história tenha um fim feliz?
“E não conheço essas pessoas, percebes! De qualquer modo, no dia seguinte, estou quase na cama, o telefone volta a tocar. Ela. Se eu puder levar-lhe tabaco e cerveja amanhã, porque ele não consegue andar, afinal, e ela tem de ir a um funeral, e o carro ainda está avariado, ela ainda está a viver com os pais. Penso: Perdão? Tabaco e cerveja? As primeiras necessidades da vida?” – e agora estamos a rir, “Eu resmunguei e concordei relutante. Na manhã seguinte, recebo uma chamada dele primeiro, depois dela, depois dele outra vez, e mais uma vez dela. O tabaco e a cerveja são essenciais, ele precisa, diz ela.”
Olhamo-nos com espanto. “O quê?” digo, porque esta é a parte confusa, “Viciado, compreensível, mas será que acham mesmo que você deixaria tudo para lhe comprar cerveja e tabaco? Agora sei que as gerações mais velhas de portugueses tratam-se de uma forma diferente, é muito normal ajudarmo-nos uns aos outros. Isso vem do passado, quando toda a gente era pobre, então é preciso ajudar-se uns aos outros, essa é uma forma de sobreviver. E a relação homem-mulher também ainda é bastante tradicional.”
“Sim”, minha amiga responde, “ainda não chegamos lá. Expliquei gentilmente que gostaria de receber o aluguel primeiro, e que depois daríamos uma olhada em coisas como tabaco e cerveja. Já é dia 13, já estava na hora. Na manhã seguinte, recebo uma ligação às cinco e meia, dizendo que a torneira da cozinha está quebrada, está vazando, ele queria fazer café… Desculpe, desculpe, desculpe… Massss … no dia anterior, um novo pote de Delta café desapareceu de repente em nossa cozinha. Sem explicação. Sumiu. Muito estranho. Nunca aconteceu antes.”
“Colocar noutro lugar?” sugiro, contra o meu melhor juízo. “Descobrimos que era quase inevitável que ele o pegasse. Não haviam outros candidados, ninguém toma qualquer coisa sem dizer nada. Afinal, ele tinha um problema numa perna, lembras-te? E a mulher desapereceu com o carro. Quando fomos ver aquela torneira, havia de facto um novo jarro de café Delta. Então, digo ao Bob, em holandês: Olha, ali está aquele Delta. O Bob é mau, responde muito maliciosamente: Oh céus, olha aquilo, ali está aquele Delta. E é claro que ele não percebe holandês, mas certamente percebe Delta. ”
“Quando foi colocar uma torneira nova, algumas horas depois, esta tinha desaparecido.” “A torneira?” pergunto: “Não, aquele pote da Delta. Aquela torneira… para ser sincera, ele deve ter sido bastante desajeitado com ela, porque aquela coisa estava completamente solta, como é que ele conseguiu fazer aquilo em tão pouco tempo é um mistério, mas não era uma torneira nova, por isso, para ser justo, digamos que ela teve o seu tempo na Terra. Portanto, uma nova é melhor, à prova de desajeitados.”
“Uau, tiveste sorte com esses inquilinos”, simpatizo com ela. Ela ri-se: “Se vai ser assim todos os meses com o pagamento da renda, então não sei se vou conseguir chegar ao fim deste semestre. Preferia mandar o Bob atrás dele, mas pronto, sabes como ele é.” O Bob é o marido dela, um amor e um grande faz-tudo, mas é melhor não o deixar negociar e coisas do género.
O terceiro choque cultural. Nunca pensei que isto pudesse acontecer depois de tantos anos
Caro leitor, o que teria feito?
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Nos mudámos em 2000 de Roterdão, Países Baixos, para Termas-da-Azenha, Portugal. Uma mudança significante, especialmente com duas crianças pequenas. Estamos ocupados para reconstruir uma das heranças culturais portuguesas: Termas-da-Azenha, um antigo spa que foi transformado em várias casas de férias, quartos de hóspedes e dois terrenos para acampar, com muitas coisas divertidas para fazer.
Sala de convívio com jogos como pingpong, matraquilhos e bilhar, e uma coisa única no mundo: o Camarim.
Vai encontrar mosaicos e pinturas em todos os lugares.
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